segunda-feira, 21 de março de 2016

Amor por acaso









Chovia, eu olhava pela janela as gotas que caíam furiosas sobre as ruas, um derramar que parecia eterno. "Não para nunca?" Pensava eu, enquanto segurava minha pasta pronta para ir ao trabalho. Eu ia pegar o ônibus ainda, se desse sorte,  ele atrasaria uns dez  minutos. Chegaria à redação atrasada e o Billy, meu chefe, daria mais uma bronca, ameaçaria me pôr na rua e eu seguiria minha vida trivial escrevendo sobre as calorias das rosquinhas dos tiras.
Gostaria de escrever sobre algo melhor, mas sabia que não me dariam moral até que eu conseguisse um furo interessante e naquela droga de cidade parece que não aconteceria nada de interessante tão cedo. Nenhum serial killer sairia a matar dezenas de mulheres indefesas que acabavam de sair de seus trabalhos e iam para suas casas, maridos e filhos. Nada! Nada de interessante! Uma droga!



Saí correndo logo após olhar meu relógio que marcava oito trinta, devia estar no trabalho às oito. Um guarda- chuva nas mãos, minha bolsa e pasta, meu sobretudo preto dava um tom de mulher rica junto com meu cachecol de lã discreta, preto com cinza, não fosse o meu cabelo que estava quebradiço e molhado escondido em uma touca, eu até  pareceria rica. Corri um quarteirão, meus fones de ouvido me davam um ar despreocupado, embora não fosse o caso. Eu ouvia Sixpence None The Richer,  enquanto corria feito louca,  segurando um emaranhado de coisas.  Cheguei ao ponto de ônibus, e, como eu esperava, ele acabara de sair, deixando-me com cara de boba ofegante. Cogitei ir a pé, mas não seria possível, meu trabalho ficava a  quarteirões e eu estaria lá antes das nove caso não estivesse chovendo. A chuva estava mais intensa, eu estava encrencada.  Esperei por vinte minutos o próximo ônibus e tentei  ligar para a redação durante  a espera, mas parecia que toda as linhas telefônicas estavam congestionadas( puxa vida!),  eu estava realmente em maus lençóis . Billy só queria uma chance para pedir minha cabeça em uma bandeja de prata.  O ônibus não passou. Ouvi informações de que árvores haviam caído na Rua 46 justo em um local que impossibilitava qualquer deslocamento de transportes.  Lembrei  do metrô, saí correndo mais uma vez então entrei na estação. Foi aí que o vi... Mochila nas costas, touca cinza, calça jeans preta, sobretudo preto e camisa de gola alta cinza, o cachecol cinza completava o look. Seus olhos eram verdes, notei facilmente, mesmo que uma certa distância nos separasse;  sua plataforma era vizinha à minha. A barba por fazer dava um ar intelectual, combinando com sua altura imponente,  eu não resisti quando ele me olhou. Fiz-me de rogada e disfarcei minha emoção, era o cara mais gato que eu já tinha encontrado, e o melhor: não parava de me olhar.  Ele sorriu, eu sorri e abaixei o olhar. Segui em direção ao vagão, ele tentou acompanhar, mas a aquela altura do campeonato uma multidão se formava ao nosso redor. Eu precisava correr ou perderia minha única chance de chegar ao trabalho.  Na correria o perdi de vista.





Foi difícil entrar no vagão e deixá-lo ali a me olhar. Entrei, olhei para fora,  foi  quando vi seu olhar desesperado; percebi que  ele tentou entrar no mesmo, porém  não conseguiu. Levantou o olhar ao perceber a porta se fechando e nos separando, por um momento eu pensei que havia encontrado o homem da minha vida.  Ficamos nos olhando, sua respiração estava visivelmente afetada, meu coração saltava como pipoca na panela e tudo o que tínhamos era os olhos fitados um no outro.





Percebi que começamos a nos movimentar, olhei em volta, ainda anestesiada pelas sensações de taquicardia, ele sumiu.  Lancei mão do meu livro, mudei a música, ajustei os fones. Enquanto tocava “Don’t dream it’s over”, eu lia sobre um amor possível e sentia que acabara de perder o meu...