sábado, 18 de junho de 2016

Guerra dos meus sonhos

Era tarde, fazia dois dias que ela não comia direito. Uma maçã mordida, computador ligado, uma  pilha de livros ao redor da mesa, havia muito o que ser feito; aquele projeto deveria ser o suficiente para superar sua nota baixa em Linguística III. Seu professor bem que poderia ser razoável e levar em consideração o quanto ela trabalhava, porém, ela sabia muito bem que ele não seria.

O pescoço estava dolorido, as pernas estavam com uma leve dormência, que  logo se transformaria em  dor de verdade, daquelas que  deixam sem movimento por longos minutos. Cabelos presos em um  coque desajeitado, fios caindo nos óculos de armações grossas de um tom vermelho- sangue, pijama curtinho de coruja que, aos poucos, exibia sua quase magreza.

  Estava na décima página, a análise estava ficando boa, embora ela soubesse que a sua noção do que era  bom passava muito longe da noção do seu querido mestre Clodoaldo, o professor mais antipático de toda a Universidade.

Talvez ele não fizesse por mal, ou não fosse nada pessoal, no entanto, todas as vezes que Anna chagava a sua aula, ele a tratava com bastante azedume, isso a deixava ainda mais frustrada.

Estava no curso por desejo de mudar de vida e não porque o amava, seu sonho mesmo era ser jornalista, uma correspondente especial em um país que estivesse em guerra, ouvir ruído de bombardeios, sorrir para um soldado inimigo, viver uma paixão tórrida e  avassaladora...
Mas a única coisa que conseguia era se abortar a cada dia, a aspereza do Clodo - como era chamado pelos alunos - deixava-a ainda pior.

Adormeceu no meio da décima quinta página, o computador permaneceu ligado.

****
Era um entardecer,  o céu estava tingido de rosa e azul  formando juntos um misto roxo. O coração de Anna palpitou ao deparar-se com um som vindo do horizonte, o mar estava soando coisas que não compreendia. Junto aos ruídos misteriosos do mar, ela também ouvia Vento no Litoral, a voz do Renato Russo penetrou com força no seu coração, subitamente, alguém segurou a sua mão.
Ele tinha olhos negros, intensos e profundos, seu fardamento deixava claro que era um soldado, seus brasões e medalhas expostas permitiam notar que ele era uma oficial importante.

Aquele toque suave em suas mãos, aos poucos envolveu seu corpo e aproximou-a para um beijo...

Triiiiimm!!!!

O Despertador tocava furiosamente, Anna pulou da cadeira onde adormeceu numa posição mais torta que o convencional.  Ainda assustada, ela parou para visualizar suas mãos sutilmente, fechou os olhos por um instante e desejou intensamente voltar a sonhar. Mas era tarde, perdera a hora e se atrasaria terrivelmente para o trabalho. Seria um dia longo.

Continua...