sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Sete Anos Depois- continuação...






O telefone tocando, Ana pensou em levantar, mas ainda presa à banheira começou a recordar...

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A despeito de tudo que temos, da vida que escolhemos, dos planos que fizemos, eu me sinto perdida. 

Sonhei durante tantos anos com uma casinha pequena, um cãozinho, um jardim com umas poucas rosas e jasmins; eu indo trabalhar, ele também, um beijo de despedida.

Sentados no nosso banquinho na praça central, sob a luz da Lua, sonhávamos. Ele sempre apertava o meu rosto contra o seu peito. Eu me sentia muito segura, protegida.  Esse universo de sonhos, perfeito, nosso paraíso particular, era o que nos libertava de nossas vidas tão desestruturadas. Ele, fugia do seu pai agressivo, eu, da minha mãe alcoólatra.
Brigas e mais brigas em casa. Nossos encontros eram muitas vezes regados por lágrimas de ambos. Mas o nosso Amor parecia capaz de vencer tudo. 

Até que, pressionada pela vida, não suportando os surtos da minha mãe e, os muitos homens que com ela passavam noites bebendo, sempre um rosto diferente e mais detestável, me obrigaram a tomar uma difícil decisão. Eu precisava sair de casa. Já fazia dias que estava planejando, o medo me dominava. Temia que um dos "amigos", dela tentasse me violentar. Ela, por sua vez, nem sequer buscava saber como eu estava, como me sentia. Com meu trabalho na padaria do Nícolas, sustentava nossa casa. Ela  trabalhava no bar do Wells, sempre voltava bêbada e acompanhada para casa. 
O Marcos sabia o quanto tudo aquilo era difícil para mim. Pensamos tantas vezes em fugirmos dali, no entanto, os pais dele sempre estiveram entre nós. Por mais que ele me amasse, nunca seria capaz de deixar seus pais. O mercadinho da família era tudo o que eles possuíam e seu pai, violento, o perseguiria até o inferno, como sempre citava.

Na quinta-feira, antes do Natal, contei mais uma vez minha situação para o Marcos. Esperava sinceramente que ele me encorajasse a suportar mais uns dias,  procuraria um lugar para morarmos e me levaria dali. Mas, não foi bem isso  que aconteceu. Ele estava diferente. Ouvia tudo com uma dureza no olhar, eu não entendia, brigamos. 

Joguei em sua cara o quanto esperava seu apoio, ele apenas chorava e nada respondia. Até que desisti, enchi-me de orgulho e declarei que iria embora. 
- Pensei que você me amava! -gritei. -Hoje vejo que me enganei. Eu vou te esquecer, Marcos. Eu juro que nunca mais quero te ver!
- Ana, eu... - Ele disse, visivelmente atordoado. 
- Adeus, Marcos!

Saí apressadamente em direção ao caminho de casa. Ele ficou imóvel no nosso banquinho. Preferi não olhar para trás, ou mudaria de ideia ao  mínimo gesto dele. No entanto, tudo havia acabado ali.
Chegando em casa, eu estava muito perturbada. Chorava descontroladamente, minha mãe não havia chegado, no período natalino tudo ficava lotado na nossa cidade, o Bar do Wells lotava. Ela voltaria muito tarde e certamente muito bêbada, com um pouco de sorte não traria ninguém para dormir com ela.
Peguei uma mochila coloquei alguns suprimentos. Meu tênis velho, um jeans preto mais novo e uma camisa azul, alguns poucos itens íntimos e de higiene pessoal. Não podia dar na cara que estava partindo.  Dei uma última olhada na casa, havia uma fotografia sobre o aparador, eu tinha seis anos, estava vestida para o frio, com uma touca rosa, a mamãe sorria, me abraçava. Não havia álcool, não havia homem algum, apenas mãe e filha. Felizes. Estávamos juntas, tínhamos uma à outra. Quando teríamos nos perdido? Quando ela mudou?
Sozinha, foi assim que me senti e, era assim que de fato me encontrava. Nunca soube quem foi o meu pai. Ele abandonou minha mãe logo que soube da gravidez dela. Durante anos ela lutou por mim, gostaria de saber por que ela parou de se importar. 

Saí.

O ônibus da central sairia à meia-noite, a rua estava fria e silenciosa. Com muito medo, mas munida de um desejo enorme de fugir daquele lugar onde fui tão igualmente feliz e infeliz, eu aguardei por cerca de uma hora até que ele apontou na estação. Comprei o bilhete, parti.
Na janela do meu assento, pude ver a minha vida desmoronando a cada movimento que o veículo fazia. Nenhuma expectativa. Nenhum ânimo. As lágrimas eram minha únicas companheiras.
Deixei tudo para trás.