segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

O Último Pôr do Sol




Madrugada, três horas da manhã. Chovia. Uma chuva oscilante, ora forte, ora suave.
Deitada em sua cama, Laura lembrava.  As lágrimas rolavam quase que no ritmo da chuva. Ela sentia esvair-se a cada gota que escorria do seu rosto. Lembranças. Ela sofria com a marca da lembrança, aquela  que corta a alma dos apaixonados, ensinando-os que a dor é o destino perpétuo de quem ama.
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Após dias na cidade, Francis, decidiu sair do hotel. Estava hospedado no único que havia na cidade. Era pequeno, porém confortável.
Ele viera a cidade fingindo não saber  bem o que o trouxera, no entanto, bem no fundo ele sabia a razão.
A semana inteira Laura passou sabendo que ele havia chegado. Cidade pequena tem essa característica, as notícias correm e rostos novos, ou antigos moradores são facilmente vistos e publicados no jornal das más línguas.
Perturbada com a ideia de vê-lo, ela torcia para que isso não ocorresse. Não sabia qual seria a reação do seu coração ao ver o único homem que havia tocado-o profundamente.
Francis passara toda a semana fazendo o mesmo, querendo evitá-la. Torcendo para não vê-la. Mas na terceira noite na cidade,  movido pela saudade, sentado ao lado da janela contemplando a Lua,  ouvia  " Me Beija- Sam Alves" a música que embalou todos os planos que fizeram, todos os encontros que tiveram. Uma lágrima solitária corria em seu rosto de contornos firmes, marcados pelas lições que  a vida ensinara.
Sozinha em sua casa, Laura ouvia a  mesma canção, relembrando o seu primeiro beijo.
Na penúltima noite na cidade, ele decidiu tomar coragem e procurou o contato de Laura no aplicativo de conversas. Então enviou um áudio, era a música que embalou o Amor dos dois, seguida de uma mensagem: "Me encontra no lugar de sempre, antes do Pôr do Sol. "
Laura preparava-se para dormir quando ouviu o som de uma notificação. Verificou seu celular, já deitada em sua cama, após um dia exaustivo de atividades laborais. Ela reconheceu o número e levou um choque. Era ele. "O que teria enviado?" - ela se perguntava. Ao ouvir o som da música, seu coração palpitou desesperadamente. Uma lágrima silenciosa rolou em seu rosto. Uma chama ardente queimou em seu peito que, novamente aquecido, voltava a amar.
Laura sempre foi apaixonada pelo seu vizinho, Francis,  o seu primeiro namorado, seu primeiro beijo. As circunstâncias o levaram a sair da cidade terminando bruscamente com a amada. A partida deixou- a incapaz de amar outra vez. No entanto, após quatro anos de dor o Thomy surgiu em sua vida e ela cansada de esperar, rendeu-se às palavras sinceras do rapaz e já  fazia três anos que estavam juntos.
No início da semana, Thomy havia viajado a trabalho e voltaria em poucos dias. Saiu no mesmo dia que Francis retornara à cidade. E, coincidentemente, voltaria no mesmo dia da partida do rival.
Os pensamentos trouxeram uma dose de culpa na jovem. Seus sentimentos agora estavam confusos.
Sem resposta e desesperado por ouvir algo, Francis ligou:
- Alô, Laura?
- Oi, é você...
- Sou eu, Amor! - Falou Francis com voz trêmula.
- Amanhã? -disse Laura com um tom de cúmplice.
- Sim...eu te espero.
- Boa noite. - Ele suspirou.
- Boa noite.
Desconcertados. Ambos desligaram o telefone e suspiraram profundamente. Uma tempestade de flashes caiu sobre os dois. O Amor como fogueira ardente, queimava.
A noite passou voando. O desejo de reencontro despertou a moça que  teria diversos compromissos naquele dia. Ele, por sua vez, estava no hotel e  passou o dia relendo as cartas que trocaram quando namoravam. Ele as guardava cuidadosamente. Cada uma ainda carregava o perfume suave de Laura. Declarações de amor faziam o coração de Francis disparar como o cavalo de um guerreiro que parte para a batalha. Ele a amava e tinha certeza disso.
No trabalho, a jovem tentava disfarçar seu sorriso e o brilho apaixonado no olhar, mas não podia se conter. Todos perguntavam se ela havia falado com o Thomy, pois só isso explicaria tamanha emoção que transbordava. Mas ela apenas continuava a sorrir.
Às 16 horas, Laura saiu do trabalho e correu para casa. Tomou banho rapidamente e escolheu seu vestido azul - o preferido-  pôs um casaco de flores brancas, fazia um frio suave, soltou seus longos cabelos castanhos, ao som de sua música ela perfumou-se e saiu.
Enquanto andava, Francis não podia conter o sorriso. A mulher da sua vida havia concordado em vê-lo outra vez.
Na rua, Laura caminhava, o vento balançava seus cabelos, seu perfume exalava e algumas pessoas a olhavam ao passar.
O local do encontro era na saída da cidade. Na adolescência eles sempre fugiam para se encontrarem lá.
Já não eram adolescentes, mas a sensação era a mesma do primeiro encontro. Ele chegou e de costas esperava por ela. Laura avistou ao longe uma figura de preto. Vestido para o frio, ele olhava o Pôr do Sol.
Laura aproximou-se e com a voz embargada disse:
- Francis?
Ainda de costas ele olhou para o alto e fechou os olhos. Virou-se.
- Amor...
Ela lançou-se  em seus braços, abraçaram-se  por um longo tempo. Ele a apertava contra o peito. A certeza  de que a amava dominava sua mente. Laura estava atordoada, sentir-se  outra vez nos braços do homem que amava, tudo era muito surreal.
Afastaram-se por um minuto...olharam-se nos olhos, os rostos muito próximos permitiam que sentissem a respiração quente tocando a pele. O desejo de beijá-la  dominava Francis, porém o medo o impedia e, por algum tempo afastaram-se.
- Faz tanto tempo. -Disse ela, quebrando o silêncio.
-Sim, faz.
Sentados lado a lado. Iniciaram um diálogo marcado por olhares profundos que denunciavam muito amor.  Francis explicou onde esteve, como era seu trabalho e Laura, em seguida, também explicava detalhes da nova vida.
Não demoraram a tocar no assunto do Thomy. Francis sutilmente perguntou se ela tinha alguém. Laura respondeu que sim. Havia encontrado alguém que a valorizava e amava. Certamente casaria com ele.
- Então eu cheguei tarde? - Ele questionou.
- Não sei. Acredito que nosso tempo passou. Eu sou fiel ao Thomy, para ser sincera, eu nem deveria estar aqui.
Ele apertou suas mãos e disse: - mas é aqui que você está.
- Laura, eu amo você, venha comigo. Vamos viver longe daqui. Teremos uma chance, uma vida nova.
Ao ouvi-lo as lágrimas desceram descontroladamente.
- Não posso. Preciso que saiba de uma coisa; eu amei você, na verdade, eu ainda amo e, possivelmente, você será o único sempre. Porém o Thomy foi meu apoio quando mais precisei.  Ele é honrado, honesto e me ama.  Não posso deixá-lo, não seria honesto da minha parte. - Falou às lágrimas.
- Ah, Meu Amor, como eu cheguei tarde. - Francis, trêmulo, balbuciava as palavras.
- Eu vim, porque precisava te ver, te tocar uma última vez. Despedir-me. Precisava mesmo ser no pôr do sol.
- Laura, eu te amo...
Francis aproximou-se e com a respiração entrecortada, olhou no fundo dos olhos de Laura e a beijou. Rendida, ela entregou-se àquele momento tão sonhado durante tantos anos. O sol debruçando-se  no horizonte testemunhava  o Amor, juntamente com os tons multicoloridos do Céu.
- Pare, eu não posso. - Disse ela, tentando se esquivar dos braços dele. Entretanto, ele a abraçou, olhou-a nos olhos profundamente e disse: - Vem!
-Francis, não posso! Hoje nós vamos assistir ao Pôr do Sol, e quando ele deitar sobre o horizonte, levará consigo todo esse Amor que sentimos. Ele levará nossos planos, suspiros e lágrimas,  -fez uma pausa- você voltará à sua vida e eu também voltarei.  Sempre lembraremos um do outro, como aquele Amor que se pode sentir, mas não se pode viver. Eu sempre serei sua. E você será meu. Mas não ficaremos juntos.
-Curvando o olhar, Laura chorava.
- É loucura. Somos loucos, fugimos do Amor que foi destinado a nós. Eu sempre vou te amar. Mas eu posso respeitar, entender. Afinal, eu quero que você seja feliz, ainda que não seja ao meu lado.
- Então sente-se ao meu lado. Vamos assistir ao Pôr do Sol. - Ela falou suavemente.
Ele assentou-se ao seu lado, sobre a pedra que havia embaixo da árvore onde haviam marcado suas iniciais, na saída da cidade.
- Okay. -Respondeu.
E enquanto o Céu se pintava com as cores do crepúsculo, o Sol levava consigo uma História de Amor, que jamais seria esquecida.