sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Feliz Ano Velho







O relógio marca cinco da manhã. Subitamente acordo de um sonho. Não recordo muito bem o que sonhei, mas lembro claramente com quem foi.
É 31 de dezembro, hoje é o último dia do ano. Há tantos anos eu aguardo ansiosa a chegada deste dia. Ontem trabalhei tanto que acabei adormecendo na cadeira da escrivaninha. Redigia meu último artigo. Não sei bem como ficou o trabalho, pois o sono veio silencioso e intenso, tomou-me de assalto e me rendi.
Todo dia 31 de dezembro  é a mesma coisa, acordo às cinco, vejo o Sol nascer, não farei diferente hoje. Visto meu casaco, está um pouco frio...há um silêncio no ar. Reflito sobre as histórias vividas no ano que parte. Tudo bem, eu consegui terminá-lo.
O Sol está surgindo, tons de vermelho e laranja colorem o Céu ainda negro...
Eu sinto sua falta.

Vendo o Sol aparecer pouco a pouco, uma lágrima, duas, três... Uma enxurrada cai no meu rosto. -Oh, como eu sinto a sua falta!
Recordo as muitas vezes que acordamos muito cedo, você me ligava, me acordava, então saíamos juntos, víamos o Céu colorir-se de "dia", sorríamos, conversávamos, sonhávamos. Faz muito tempo.
Sentada aqui no chão da praça, eu olho para o Céu, minhas lágrimas não param de rolar, meu coração bate tão forte.
Lembro do dia 31 de dezembro há 6 anos atrás. Estávamos juntos assistindo ao amanhecer, você segurou minha mão tão forte. Fizemos planos e juras de Amor, juntos para sempre.
Porém, um golpe fatal do destino adiou, ou talvez tenha destruído nossos planos. Por que você desistiu de mim? Por que não lutamos? Por que o nascer do Sol não traz você, mas traz seu cheiro?  Porque meu coração salta tão forte aqui no peito?  Por que você refez a sua vida? Por que eu não consigo te esquecer? Por que você tem outra em meu lugar? Por que depois de tudo que aconteceu, eu só consigo te amar?
Por que fazemos promessas que não podemos cumprir? Por que saímos semeando ilusões ao longo da vida, quando poderíamos pôr os pés no chão e viver como adultos?
Por que precisamos mesmo ser adultos? Por que as histórias de amor não podem ser como os contos de fadas e terem um final feliz?
Por que eu não posso, neste último dia do ano, amar você?
O Sol já despontou no horizonte, em meio a perguntas sem respostas...eu gostaria mesmo de ter você aqui.    Daqui a algumas horas teremos um ano novo, no entanto, a única coisa que consigo pensar é: não quero feliz ano novo, pois tudo em mim quer reviver o meu feliz ano velho.
Eu ainda te amo...

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O que foi O Quinze?




 A Segunda fase do Modernismo no Brasil demonstrou um real amadurecimento das ideias propostas na fase anterior, conhecida como o Romance de 30, foi uma referência na Literatura Brasileira.

Marcada por grandes romancistas, o período de prosa trouxe como tendência o romance social nordestino,  e nessa perspectiva de escrita se encaixa a imponente Rachel de Queiroz, escritora cearense que, ainda muito jovem, destacou-se por sua visão crítica e escrita bastante ousada para os padrões da época, no tocante ao universo feminino e o lugar ocupado pela mulher na sociedade.
Como supracitado, o romance social nordestino foi um ponto relevante nos escritos do período, visto que denunciava as injustiças sociais, os problemas econômicos do Nordeste e a vida sofrida e pobre dos retirantes.

A obra O Quinze de Rachel de Queiroz, publicada na juventude da mesma, apresenta como tema a seca severa do ano de 1915. O livro não só reúne a dimensão social, mas também faz uma leitura psicológica dos personagens marcantes.

Narra a história de Chico Bento que sai juntamente com sua família: 5 filhos, Cordulina, sua esposa e Mocinha, cunhada de Chico;  buscando fugir da seca na região próxima a Quixadá e marcha em busca da sobrevivência  e de conseguir trabalho no Norte do país.
Paralelamente, desenrola-se o drama da jovem professora Conceição com o primo Vicente. Ela, moça estudiosa da cidade, ele, um proprietário rural, rústico, em um território sensível à miséria e à seca. Apesar do sentimento notório entre os dois, por viverem em mundos diferentes torna-se impossível a comunicação e realização afetiva entre os dois.

Pontos importantes a serem destacados na obra:

  • ·         Espaço e tempo: Ceará (Logradouro, Quixadá, Fortaleza) 1915;
  • ·         Tema: seca, drama dos retirantes nordestinos;
  • ·         Contraste social entre Vicente e Conceição;
  • ·         Sofrimento dos retirantes nos Campos de Concentração criados para afastar da capital o cenário de fome e morte, criando uma realidade ilusória para quem vivia na capital;
  • ·          Nota-se ainda o contraste entre o preconceito quanto à posição social da mulher e o empoderamento feminino realizado por Conceição;
  • ·         A condição de violência sofrida por Mocinha, sem dúvida uma das vítimas mais solenes de toda a história;
  • ·         Discriminação racial – relação hipotética entre Vicente e a mulata;
  • ·        A situação de Chico Bento se torna tão áspera e severa que seu poder de ação social nulo, o situa como ser inexistente do ponto de vista coletivo, ou o coisificam.

 Detalhe considerável na obra  O Quinze, é o fato de ter sido escrito por uma jovem e, especialmente, uma mulher que se impôs em um cenário tipicamente masculino. Sua abordagem do tema  com uma visão realista e o menos romantizada possível denotam uma mente madura e dada à observação do seu meio social.  Rachel de Queiroz conseguiu relatar de maneira minuciosa, real, dolorosa e precisa,  tanto aspectos sociais como psicológicos dos personagens no contexto de O Quinze que é, sem sombra de dúvidas, um livro fantástico.









sábado, 17 de setembro de 2016

Você é real?





Hoje faz 5 anos. 
Se eu fechar os meus olhos o vejo, ainda lembro como se fosse hoje. A dor não destruiu o amor.

Era tarde fria de inverno, o movimento na livraria estava cada vez mais intenso, mal pude almoçar, tamanha a demanda de serviço. Período de férias, turistas na cidade e intelectuais - o que era raro.
A Clara reclamava de tudo, queria sair mais cedo e dormir, pois a festa da noite anterior tinha acabado com as suas energias. Não conseguia parar em pé.
À porta, quando tudo parecia calmo, o sino bateu anunciando alguém. Ele entrou.
Lindo, aquele ar de surfista de livros, sério, corpo dourado...olhar marcante, era alto, vestia um jeans escuro e suéter azul.
Travei.
Clara o atendeu. Levou dois livros: um sobre sistemas de computadores e outro que tratava de redes específicas.
Notei seu cavalheirismo na maneira como tratou e despediu-se da minha colega de trabalho.
Antes de cruzar a porta, seus olhos buscaram os meus. No momento, meu coração acelerou, um frio e calor dominavam o meu ser. 
Foi amor nos meus olhos, vi também nos seus.

Às 17h30, como sempre, saí do trabalho e corri para minha casa. Não ia à faculdade, porque estava em férias de inverno, no entanto, precisava organizar o cubículo que chamava de casa, embora tivesse apenas dois cômodos, e, depois, descansaria.
Comecei limpar às 18h, separei as roupas sujas, pus a cozinha em ordem, voltei ao quarto e organizei livros, passei e guardai as roupas limpas, restou apenas passar cera no chão.
Às 20h a Clara me ligou, como não conseguia dormir; resolveu sair de casa, seus planos eram: pizzaria e música sem hora para voltar para casa. Pensei muito e decidi sair de casa, estava exausta, mas desde que começara as atividades domésticas lembrava aqueles olhos lindos me encarando.
Tomei um banho, escolhi um vestido confortável e um casaco, pois à noite o frio estava acentuado, nada de maquiagem. Não me sentia bem quando usava. Acreditando estar apresentável, saí.
Na praça do centro da pequena cidade de Três Marias, sentei-me em um banco, enquanto aguardava minha colega.
Distraída pressionando as mãos, não percebi quando alguém chegou em minha frente e, com timidez, falou:
- Boa noite. Eu posso sentar com você?
Meu coração quase parou, o homem que embalou meus pensamentos naquela noite estava falando comigo.
- Sim, claro, - respondi trêmula.
Ele sentou, um perfume amadeirado tocou minhas narinas; eu tive certeza que jamais esqueceria aquele cheiro. Nervosa, trêmula e perdidamente encantada, passei a responder suas perguntas. Quando me dei conta já estávamos falando como se nos conhecêssemos há anos. A sua aparente timidez foi substituída por histórias de vida e palavras doces, olhares profundos e um leve tremor nos lábios.
Não percebi o tempo passar, mas como havia esfriado ainda mais, olhei no relógio já passava das 22h30, lembrei da Clara que não havia aparecido. Ele percebendo meu ar preocupado e falou: 
- Ela não virá.

- Como não, como você sabe que estou esperando alguém? - perguntei curiosa.
- Eu pedi a sua amiga que marcasse esse encontro. - Após uma pausa considerável, continuou:
- A verdade é que quando entrei naquela livraria eu só consegui enxergar você. Então implorei que a Clara me ajudasse a te encontrar.

Enquanto falava, seus olhos encontraram os meus, vacilaram, e fitaram-se outra vez...
Quando dei por conta, estava presa aos seus lábios. Suavemente fui envolvida pelo seu beijo, meu coração havia sofrido uma descarga elétrica, batia no compasso de cavalos rumo a uma violenta batalha. 
Senti que já nos pertencíamos.

Foi amor...

quinta-feira, 7 de julho de 2016

O reencontro






Já passava das dez quando o celular de Megan vibrou. Desajeitada, ela arrumava sua estante de livros, sua mente não permitia que organizasse por autor ou gênero, ela organizava de acordo com as cores. Volta e meia lançava um olhar à fotografia que havia colocado em um porta-retrato.  Era o rosto dele, seus olhos marcantes, seu sorriso largo junto ao dela, denotava muita felicidade. Ela lembrava bem a sensação daquele dia: euforia, um frio no estômago, uma chuva de borboletas que não paravam de voar. Sentia-se  enjoada naquele dia. No entanto, seu enjoo era de felicidade. Afinal, não sabia o que era isso desde a sua oitava série. Quando seu coração saltava por Miguel.
Um sorriso largo, ela abriu ao deparar-se com a notificação do WhatsApp, que indicava uma mensagem que dizia:

" Faz um mês, eu não suportei ficar longe se você, meu amor. Eu te espero hoje no mesmo lugar, às 17h. "

De súbito Megan levantou-se é derrubou dois livros que estavam em suas mãos. Seu coração batia no compasso de cavalos partindo para uma batalha medieval. 

"Ele voltou por mim", pensava ela ( em voz alta). Não poderia deixar de ir.
Deixou seus livros de lado e passou a procurar  um vestido que pudesse deixá-la linda.

Dois dias antes***

As horas não passavam. Ele estava inquieto em seu apartamento. O ambiente escuro escondiam suas lágrimas. Chorava pela primeira vez arrependido por ter ido embora, deixado aquela que conseguira mexer com seu coração, depois de todas as noites que dividira com a jovem,  não conseguia lidar com a distância; Megan, em apenas alguns dias, havia transformado o coração de um cara que durante sua vida havia deixado em pedaços os corações de muitas. Contudo, nunca havia se apaixonado.
Ela agora era a mulher que ele amava e não importava o que acontecesse, ele a teria em sua vida para sempre.

O carro estava ligado, as malas faziam-no pensar que algo novo começaria longe dali.
Longas horas de viagem, intermináveis, o sol nascia. Seu sorriso no rosto denotava que estar cansado  já não era mais importante.
As luzes  despontava no horizonte. A cidade estava perto. Os prédios enormes não eram mais vistos. Estava na cidade onde começaria uma vida cheia de amor. E logo ele que sempre desacreditara que isso fosse possível - amar outra vez. Às 15h chegou em Fox, entrou no hotel que havia reservado, era singelo como tudo o que havia naquela cidade pacata, contudo, lhe serviria bem até alugar um apartamento, ou quem sabe comprar um. 
*
A faxina foi feita com grande custo, pois a toda hora ela se perguntava sobre o que vestiria para encontrar o homem que amava, aquele que havia transformado, em tão pouco tempo, a sua  dor em alegria. 
 Após o banho ela escolheu um vestido leve com estampas de aves, ela gostava de pássaros eles lembravam seu desejo de se aventurar. sempre quis conhecer o mundo, mas agora o seu mundo era ele, o Max. 
Decidiu usar o perfume que ele gostava. uma olhadela no espelho e, estava pronta. Suspirou e fechou os olhos, estava louca para abraçá-lo. Seu momento de emoção foi interrompido por uma ligação, era um número diferente, não o conhecia. 
- Alô?
_ Alô, Megan Stevens? 
_Sim, sou eu. Quem é? 
 _ Somos da emergência, a senhora conhece o senhor Max Hade?
_Conheço, o que houve? - perguntou, Megan aflita. 
_ Bom, senhora, eu lamento informar, mas o senhor Hade acabou de sofrer um grave acidente na 107 com a 13. E, bem... - a moça faz uma pausa.  Senhora, ele faleceu. Seu número foi o último contato que vimos, por isso estou ligando. 
Megan já não ouvia o que a outra falava na linha, caiu de súbito no chão. As lágrimas e incredulidade a dominaram. Mas pôde ouvir claramente quando a mulher leu a mensagem que ele havia escrito para ela, dizendo antes que fora escrevendo-a que ele bateu em cheio no cruzamento da avenida. 

" Estou chegado para você. Esperei você por tanto tempo. Eu te amo e..."


Chovia lá fora, no chão da sala, chovia nos olhos de quem havia perdido o verdadeiro amor...



Sempre fui trocada




Acredito que quando escolhemos uma garota para ser a melhor amiga, essa pessoa deveria ficar nessa posição para sempre.

Eu faço um decreto:
Melhoras amigas devem ser para sempre.

MEU NOME É LAILA, TENHO 27 ANOS E ESSA, BEM, ESSA É A MINHA HISTÓRIA.
Na escola eu sempre fui apelidada de muitas coisas, eu nunca fui querida pelas minhas primas, todas as amigas sempre me deixavam no final; e eu nunca sabia o porquê de sempre andar sozinha.

Eu me acostumei com a solidão aos oito  anos, a minha primeira melhor amiga me deixou, seus pais se mudaram para outro estado, então nós não tivemos uma opção.  Tempos depois , ela voltou, mas não era a mesma. Fui trocada por uma garota mais velha.  Aos dez eu fiz minha segunda melhor amiga. Legal, parece estranho, a questão é que  ela também me deixou,  outro estado a esperava.  A Karina   -  esse era o seu nome   -  viveu anos por lá, quando voltou, claro, não era mais a mesma.  Ela estava alta, corpo diferente, olhava-me com indiferença  e passou a andar com as mais velhas.      Honestamente, eu não sei bem a razão, porque as mais e velhas tinham apenas um ano a mais que eu. Mas... 

Quando tinha  11 anos eu fiz outra amizade. Esta durou longos anos, crescemos juntas, conversávamos sobre tudo e todos, eu era cheia de sonhos. E contava todos para ela: fazer faculdade, morar sozinha, escrever um livro, ser independente.  Não sei se isso a deixava muito feliz, pois ela sempre questionava meus sonhos julgando serem de muita prepotência.

Quando fiz 22 anos ela me deixou. Talvez você esteja se perguntando se ela viajou também. Visto que todas as anteriores tinham sangue doce para mudanças de estado.  No entanto, não foi isso que aconteceu. Ela me trocou por um cara. Não, eu não sou lésbica, respeito quem é, porém não sou.
Como amigas, nós compartilhávamos segredos. Eu fui vidrada em um cara durante longos  anos, sempre dividi isso com ela, entretanto, eles se conheceram pessoalmente  e...
Vocês sabem.

Confesso que aquilo me magoou bastante, já éramos adultas, nossos atos já diziam muito sobre nós e não se resolviam tão facilmente como na época da escola.
Eu não a feri com palavras, não bati na cara dela, não quis machucá-la, enquanto isso eu estava em pedaços. Não podíamos ser as mesmas. Nossa relação foi profundamente abalada e ela escolheu. Optou por se afastar de mim. Eu, na verdade, já havia me afastado. Era muita dor. Não consegui encará-la outra vez.
Acabei ficando solitária e triste durante muitos anos.  Compartilhava minha dor com meus livros, filmes melosos e cadernos, às vezes, com as plantas. Elas sabem ouvir direitinho.

Tá, eu não esperava fazer vocês  chorarem  com isso, possivelmente vocês devem pensar que há algo de errado comigo, afinal de contas, ser abandonada tantas vezes só pode ter uma razão.

É provável que esta razão exista, todavia ainda não refleti bem a respeito, talvez eu tenha medo da resposta.
Eu não ia escrever nada hoje, mas estava vendo um filme meloso e quando fico emotiva, quero escrever.  ( Eu não devia ser tão óbvia com o título, mas não sabia o que colocar.).

Boa noite!


sábado, 18 de junho de 2016

Guerra dos meus sonhos

Era tarde, fazia dois dias que ela não comia direito. Uma maçã mordida, computador ligado, uma  pilha de livros ao redor da mesa, havia muito o que ser feito; aquele projeto deveria ser o suficiente para superar sua nota baixa em Linguística III. Seu professor bem que poderia ser razoável e levar em consideração o quanto ela trabalhava, porém, ela sabia muito bem que ele não seria.

O pescoço estava dolorido, as pernas estavam com uma leve dormência, que  logo se transformaria em  dor de verdade, daquelas que  deixam sem movimento por longos minutos. Cabelos presos em um  coque desajeitado, fios caindo nos óculos de armações grossas de um tom vermelho- sangue, pijama curtinho de coruja que, aos poucos, exibia sua quase magreza.

  Estava na décima página, a análise estava ficando boa, embora ela soubesse que a sua noção do que era  bom passava muito longe da noção do seu querido mestre Clodoaldo, o professor mais antipático de toda a Universidade.

Talvez ele não fizesse por mal, ou não fosse nada pessoal, no entanto, todas as vezes que Anna chagava a sua aula, ele a tratava com bastante azedume, isso a deixava ainda mais frustrada.

Estava no curso por desejo de mudar de vida e não porque o amava, seu sonho mesmo era ser jornalista, uma correspondente especial em um país que estivesse em guerra, ouvir ruído de bombardeios, sorrir para um soldado inimigo, viver uma paixão tórrida e  avassaladora...
Mas a única coisa que conseguia era se abortar a cada dia, a aspereza do Clodo - como era chamado pelos alunos - deixava-a ainda pior.

Adormeceu no meio da décima quinta página, o computador permaneceu ligado.

****
Era um entardecer,  o céu estava tingido de rosa e azul  formando juntos um misto roxo. O coração de Anna palpitou ao deparar-se com um som vindo do horizonte, o mar estava soando coisas que não compreendia. Junto aos ruídos misteriosos do mar, ela também ouvia Vento no Litoral, a voz do Renato Russo penetrou com força no seu coração, subitamente, alguém segurou a sua mão.
Ele tinha olhos negros, intensos e profundos, seu fardamento deixava claro que era um soldado, seus brasões e medalhas expostas permitiam notar que ele era uma oficial importante.

Aquele toque suave em suas mãos, aos poucos envolveu seu corpo e aproximou-a para um beijo...

Triiiiimm!!!!

O Despertador tocava furiosamente, Anna pulou da cadeira onde adormeceu numa posição mais torta que o convencional.  Ainda assustada, ela parou para visualizar suas mãos sutilmente, fechou os olhos por um instante e desejou intensamente voltar a sonhar. Mas era tarde, perdera a hora e se atrasaria terrivelmente para o trabalho. Seria um dia longo.

Continua...

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Virtual: Uma paixão de Outono







Era mais uma madrugada, Megan viajava nas páginas de um livro, estava mais uma vez lendo seus romances. Sempre fora apaixonada por livros, e nos últimos  meses  eles eram seus companheiros. Desde o fim com o Miguel, ela havia se fechado em um mundo de letras e amores possíveis.  Fazia frio lá fora, a chuva havia dado uma trégua, porém o frio permanecia implacável. O computador, ligado em um aplicativo de relacionamentos, sinalizou uma mensagem. 

Duas da manhã, o relógio marcava, no entanto, a mensagem havia sido postada às vinte. Ele era magro, pele clara, seu cavanhaque chamava atenção, mas ela não quis parar sua leitura e responder, “ele nem está mais online” – pensou. Adormeceu poucos minutos depois. Óculos nos olhos, boca entreaberta, pijama de coruja, seus lençóis em rosa bebê denunciavam um coração ainda infantil, apesar dos 26 anos.

O dia amanheceu corrido, havia muito trabalho a ser feito. Acordou às nove, ficou terrivelmente assustada ao olhar o despertador que tocava desde às seis da manhã com algumas pausas. De súbito pulou da cama e correu ao banheiro. Rapidamente retirou a roupa e caiu no chuveiro com água quente. Lá fora, gotas intensas de uma chuva  caíam severas.

Banho tomado, a cafeteira já preparava o café, as torradas iam esperar que ela se vestisse. Seu celular apontava outra mensagem do aplicativo. O mesmo homem de cavanhaque entrara em contato. Porém, atrasada e sem dar muita atenção, fechou o celular, deu prosseguimento ao seu dia e foi para o trabalho.

Às 17h saiu do trabalho e passou a organizar seu quarto, a estante de livros precisava de uma senhora limpeza. A rotina noturna foi retomada, ela tomou banho, preparou uma sopa e juntou-se ao livro da noite anterior; notebook ligado, músicas da Neverending White Lights embalavam sua noite de leitura. Dormiu na mesma situação da noite anterior. O dia seguinte foi igual, com apenas algumas diferenças. E o outro também.
Vinte e uma horas da noite do dia 12 de fevereiro, seu celular vibrou. Outro recado do aplicativo a deixou intrigada, o mesmo homem havia deixado uma mensagem que desta vez ela decidiu ler e responder. Analisou o histórico.

Max:
09 de fevereiro:
- Olá.    
12 de fevereiro:
-Oi, se não quiser falar eu entendo, valeu.   
Ele, aparentemente, estava chateado com o vácuo que tomou e acabou deixando outra mensagem. Desta vez ela respondeu. Foi um “olá” seco, que ele não viu,  pois já não estava mais online. Ela analisou seu perfil no aplicativo e resolveu dormir. Deitada, pensou em que seria o estranho que, de certo modo, havia lhe chamado atenção.
“Você faz o quê da vida? Pelo que li no seu perfil, ama livros. Mora aqui mesmo? Você é parente da garota que está com você na foto?”
Ela acordou com o som do celular que anunciava uma nova mensagem do aplicativo. Leu o conteúdo e ficou intrigada com aquele estranho que insistia em lhe perturbar. Resolveu que o impasse acabaria e descobriria quem era ele.

À noite, esperou que ele entrasse, Max se surpreendeu ao vê-la online, e ela também. Conversaram pouco, ele dormia cedo, isso explicava não estar disponível na madrugada. Ele pediu o número do seu telefone, ela intuitivamente passou, só depois foi pensar que talvez não fosse certo. Afinal, nem se conheciam.

Na manhã seguinte, ele entrou em contato, avisou que voltaria a sua cidade, pois estava em Fox a trabalho, teria 10  dias de folga e voltaria depois para continuar o trabalho. Ela respondeu friamente. E ele partiu. Durante os dez dias trocaram muitas mensagens e já estavam bem próximos quando o prazo acabou.
Dois dias após o retorno dele a Fox, o telefone dela tocou:

- O que vai fazer hoje à noite? – Ele do outro lado da linha perguntava com uma voz ansiosa.
-Nada. –Respondeu Megan sem demonstrar emoção.
-Eu passo aí às vinte horas. - Ele informou. -Okay, te espero. Megan falou secamente.

Megan já havia sofrido algumas desilusões amorosas o que a fazia desconfiar de tudo e de todos. Não queria criar expectativas e mais uma vez se decepcionar.

Às vinte em ponto, ele surgiu, seu carro vermelho chamava atenção na rua sem movimento. Ela abriu o portão e esperou que ele descesse do carro e se dirigisse ao banco da praça que ficava em frente ao seu apartamento. Ele usava calça jeans preta, um casaco escuro que ela não sabia dizer se era azul, um cavanhaque bem feito e exalava um perfume que se sentia à distância.
Usando um vestido escuro e meia-calça preta, seu casaco escuro dava um toque final na produção, que ela desejava que não chamasse atenção. Embora esse fosse o seu desejo, era impossível não se notar suas curvas.

Cumprimentaram-se com um beijo no rosto. Ele segurou sua nuca enquanto fazia o gesto. Isso provocou um leve choque que ela não esperava. Sentaram-se, e a conversa foi agradável, à uma da manhã ele foi embora, o tempo passou sem que dessem conta.

No dia seguinte, Megan estava com uma sensação diferente, não parava de pensar na noite anterior, na conversa agradável e naquele cheiro que insistia em causar leves choques elétricos em seu corpo. Ele mandou uma mensagem na qual deixou claro o quanto amou a sua boca e como desejou beijá-la. Megan sentiu um arrepio e sabia que sentiu a mesma coisa, mas jamais revelaria.
Marcaram um novo encontro para dali a dois dias.


Perfumada, usando um vestido médio, que marcava bem suas curvas, cabelos esvoaçantes, ela o aguardava no banco. Ele surgiu subitamente e entregou-lhe uma rosa vermelha. Sentou-se ao lado dela e deram início a uma conversa que foi interrompida por um olhar profundo. Ele a encarou de maneira que um choque profundo invadiu o corpo de Megan, que agora percebia a proximidade dos seus rostos. O beijo veio suave e quente, aos poucos ambos entregaram-se ao momento que se intensificou. Quando se afastaram, ele a abraçou. Novamente, à uma da manhã ele a deixou.


Na manhã calma de outono, Megan estava de folga e decidiu passar mais tempo na cama. Lembrou de cada detalhe da noite anterior. Algo estranho a havia dominado. Estava incondicionalmente e inexplicavelmente apaixonada pelo intrigante forasteiro. Uma mensagem no celular da garota dizia: “Fascinado por cada beijo seu”. O coração dela disparou e confirmou que estava mesmo envolvida.
Durante semanas eles se encontraram. O outono parecia ter ganhado cores, entretanto, um fato mudaria tudo.

A empresa da qual Max fazia parte, assinou suas férias e uma possível transferência. Ele não ficou muito feliz com a ideia, pois também estava envolvido. Além do afastamento, ele teria que partir imediatamente, porque precisava resolver alguns assuntos da empresa em sua cidade natal.  Entrou em contato com Megan que o atendeu muito animada. Com voz rouca e triste ele revelou o acontecido e marcou um encontro para o horário de sempre e no mesmo local.

O coração de Megan palpitava, ela sentia que mais uma vez perderia alguém por quem havia nutrido um sentimento novo e belo.

Ele chegou pontualmente às vinte horas, com um buquê de rosas vermelhas, ele a abordou. Abraçaram-se por um longo tempo. Ela queria chorar, mas com esforço segurou suas lágrimas. Demonstrar sentimento não era o adequado, - pensou. Conversaram por um longo tempo. Antes de ir embora, ele olhou-a nos olhos como na noite do primeiro beijo, segurou sua mão, soltou aos poucos e partiu. Segundo ele, voltaria para se despedir, mas precisava arrumar às malas.


4h da manhã, marcava o celular quando ela acordou abraçada às flores, uma mensagem dizia:

“Princesa, eu adorei te conhecer, você foi a melhor coisa que me aconteceu durante esses meses. Mas, lembra que eu falei sobre odiar despedidas? Pois bem, estou na estrada há uma hora. Só agora tive coragem para te enviar isso. Preciso que me esqueça, não irei voltar. Contudo, levarei uma parte de você comigo. Eu finalmente me apaixonei por alguém. Um beijo.”

Às lágrimas, ela abraçou o travesseiro e uma cachoeira se formou em seu olhar, antes radiante, agora apenas cheio de dor e desilusão.






quarta-feira, 23 de março de 2016

Séculos de mistério na Literatura Brasileira: Capitu traiu Bentinho?




“Olhar de cigana oblíqua e dissimulada”

Você já parou para pensar  que a maioria das pessoas que leem livros no Brasil, buscam apenas a literatura internacional, com ênfase nos escritores norte-americanos ?

Nicholas Sparks e John Green estão no topo da procura, com suas narrativas de amores tórridos e que provocam profundas reflexões sobre  a vida como é o caso de “A Culpa é das Estrelas” do Green e “ Diário de uma Paixão” do Sparks, o primeiro trata da brevidade da vida e do cotidiano de um portador de câncer; o segundo reflete acerca do sofrimento de manter as lembranças diante de uma doença como o Mal de Alzheimer. 

Obras riquíssimas, isso é inegável. Entretanto, o que você conhece sobre Literatura Brasileira?
O fato é que a Literatura Brasileira é  deixada à margem, o que não deveria ocorrer,  visto que nossos escritores  clássicos deixaram um legado de obras que marcam,  mesmo séculos após sua morte.  E os atuais não ficam atrás.

O que você acha? Desafiamos você a citar três amigos que leram vários livros de Literatura estrangeira, porém nunca leram um Clássico da Literatura Brasileira.
Pensando no vasto número de obras e escritores da nossa Literatura,  trazemos Joaquim Maria achado de Assis  aquele que semeou a dúvida na mente de milhares de leitores.


IMAGINE :
Um jovem pobre, de saúde frágil, epilético e gago, filho de um operário e com grandes dificuldades de acesso  à escola, tornou-se um dos mais conceituados escritores mundiais.
Pois é, com tantas contrariedades em sua vida, ele foi o escritor de uma das narrativas mais intrigantes, cujo mistério de seu conteúdo perdura há séculos.


Analise a sinopse da obra e veja se não vale a pena tentar desvendar o mistério do “olhar de cigana oblíqua e dissimulada”, que Capitu possuía.


SINOPSE: 

Ano da publicação: 1900.
Bento, apaixonado por Capitu desde a adolescência , casa-se com ela e vive feliz. Até que passa a acreditar que foi traído pela mesma. Eles têm um filho que a cada dia se parece mais com o amigo de Bento – Escobar.  Na ocasião da morte de seu amigo suas suspeitas pioram.
A terrível desconfiança  torna impossível o relacionamento, eles se separam, Capitu morre na Europa, anos mais tarde. O filho morre na Ásia. Bento torna-se amargurado e solitário, como a história nunca foi esclarecida  ele decide escrever um romance narrando sua versão dos fatos, ao qual intitula de Dom Casmurro, como era conhecido.

O que resta para o leitor? A dúvida. Há quem diga que ela o traiu, outros defendem que isso é fruto da mente de Bentinho.

E então, o que acha de encarar esse mistério?




segunda-feira, 21 de março de 2016

Amor por acaso









Chovia, eu olhava pela janela as gotas que caíam furiosas sobre as ruas, um derramar que parecia eterno. "Não para nunca?" Pensava eu, enquanto segurava minha pasta pronta para ir ao trabalho. Eu ia pegar o ônibus ainda, se desse sorte,  ele atrasaria uns dez  minutos. Chegaria à redação atrasada e o Billy, meu chefe, daria mais uma bronca, ameaçaria me pôr na rua e eu seguiria minha vida trivial escrevendo sobre as calorias das rosquinhas dos tiras.
Gostaria de escrever sobre algo melhor, mas sabia que não me dariam moral até que eu conseguisse um furo interessante e naquela droga de cidade parece que não aconteceria nada de interessante tão cedo. Nenhum serial killer sairia a matar dezenas de mulheres indefesas que acabavam de sair de seus trabalhos e iam para suas casas, maridos e filhos. Nada! Nada de interessante! Uma droga!



Saí correndo logo após olhar meu relógio que marcava oito trinta, devia estar no trabalho às oito. Um guarda- chuva nas mãos, minha bolsa e pasta, meu sobretudo preto dava um tom de mulher rica junto com meu cachecol de lã discreta, preto com cinza, não fosse o meu cabelo que estava quebradiço e molhado escondido em uma touca, eu até  pareceria rica. Corri um quarteirão, meus fones de ouvido me davam um ar despreocupado, embora não fosse o caso. Eu ouvia Sixpence None The Richer,  enquanto corria feito louca,  segurando um emaranhado de coisas.  Cheguei ao ponto de ônibus, e, como eu esperava, ele acabara de sair, deixando-me com cara de boba ofegante. Cogitei ir a pé, mas não seria possível, meu trabalho ficava a  quarteirões e eu estaria lá antes das nove caso não estivesse chovendo. A chuva estava mais intensa, eu estava encrencada.  Esperei por vinte minutos o próximo ônibus e tentei  ligar para a redação durante  a espera, mas parecia que toda as linhas telefônicas estavam congestionadas( puxa vida!),  eu estava realmente em maus lençóis . Billy só queria uma chance para pedir minha cabeça em uma bandeja de prata.  O ônibus não passou. Ouvi informações de que árvores haviam caído na Rua 46 justo em um local que impossibilitava qualquer deslocamento de transportes.  Lembrei  do metrô, saí correndo mais uma vez então entrei na estação. Foi aí que o vi... Mochila nas costas, touca cinza, calça jeans preta, sobretudo preto e camisa de gola alta cinza, o cachecol cinza completava o look. Seus olhos eram verdes, notei facilmente, mesmo que uma certa distância nos separasse;  sua plataforma era vizinha à minha. A barba por fazer dava um ar intelectual, combinando com sua altura imponente,  eu não resisti quando ele me olhou. Fiz-me de rogada e disfarcei minha emoção, era o cara mais gato que eu já tinha encontrado, e o melhor: não parava de me olhar.  Ele sorriu, eu sorri e abaixei o olhar. Segui em direção ao vagão, ele tentou acompanhar, mas a aquela altura do campeonato uma multidão se formava ao nosso redor. Eu precisava correr ou perderia minha única chance de chegar ao trabalho.  Na correria o perdi de vista.





Foi difícil entrar no vagão e deixá-lo ali a me olhar. Entrei, olhei para fora,  foi  quando vi seu olhar desesperado; percebi que  ele tentou entrar no mesmo, porém  não conseguiu. Levantou o olhar ao perceber a porta se fechando e nos separando, por um momento eu pensei que havia encontrado o homem da minha vida.  Ficamos nos olhando, sua respiração estava visivelmente afetada, meu coração saltava como pipoca na panela e tudo o que tínhamos era os olhos fitados um no outro.





Percebi que começamos a nos movimentar, olhei em volta, ainda anestesiada pelas sensações de taquicardia, ele sumiu.  Lancei mão do meu livro, mudei a música, ajustei os fones. Enquanto tocava “Don’t dream it’s over”, eu lia sobre um amor possível e sentia que acabara de perder o meu...


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A partida

Capítulo I

****


Era um entardecer, o crepúsculo cinzento de uma sexta-feira de setembro. As folhas das árvores estavam em um tom marrom - acobreado, caídas no chão, pareciam um tapete natural e temporário. O vento se encarregaria de dar cabo delas  no devido tempo.
Na janela de um ônibus, um olhar vago denotava melancolia e nostalgia. O transporte velho de cor amarelada e estrutura fragilizada chacoalhava conforme passava nos buracos da estrada de terra.  Alheia aos movimentos nada discretos, Mara continuava a olhar para o nada. Em um movimento suave do rosto passou a observar o céu e as suas cores, os tapetes de folhas estendidos por cada espaço visível no itinerário; à medida que observava os tons nebulosos do iminente anoitecer, deparou-se com o seu pensamento vagando nas cenas dos últimos acontecimentos. "Como foi ingênua. Como pôde comer tantos erros em sua vida? Como estava frágil. Por que não conseguia lutar, reagir e mudar tudo? " Culpa, tristeza, incapacidade, eram os sentimentos que norteavam sua mente naquele instante. Uma lágrima escorreu discreta, seguida de outra e outra, até que em dado momento,  já havia uma cachoeira em seu rosto. Mara lembrou-se  da sua última conversa antes de fechar a porta e deixar para trás tudo o que havia construído durante longos e exaustivos anos de trabalho.





Ele parecia triste também, mas era difícil dizer, afinal, suas palavras foram tão duras, firmes e irredutíveis que não se podia dizer que havia tristeza em seu interior.
- Você precisa não precisa ir embora. Isso é loucura! Fugir não vai mudar nada, isso vai acompanhar você. Eu juro que não sabia a proporção dos meus atos, jamais imaginei que você pudesse me amar tanto. - Falou Fred com voz  firme, mas entrecortada.
-Não fale... -Sussurrou Mara sem erguer o olhar.
-Fiquei tão deslocado, mas você sabe que eu não posso fazer nada. Lamento. – Completou   ele no mesmo tom.
Na sala com pouca luz, vários retratos de casal  sorriam a quem entrasse. As paredes brancas mostravam que há pouco tempo  tinham passado por uma reforma seguida de pintura. As plantas, tulipas laranjas sobre um aparador, pareciam não ter cor diante da escuridão que anunciava que uma noite sombria  se aproximava.
As lágrimas de Mara rolavam com muito mais intensidade ao ouvir tudo, as palavras doíam mais que uma agressão física, eram como facas ferindo seu peito, provocando feridas profundas e sangrentas; ela encobriu o rosto, recostada sobre um móvel da sala, sentia-se indefesa e só. Com as pernas entre os braços, parecia uma menina com medo do escuro.
- Tenho que ir embora. Se você ao menos falasse algo, Mara. 
Mas Mara permaneceu em silêncio profundo. Ouvia-se apenas o som da sua respiração entre soluços.
Fred dirigiu-se à porta com segurança, parou um instante,  olhou para Mara, de soslaio.
 Disse: -Eu preciso ir agora. Será que posso te abraçar?
 Um silêncio terrível tomou o ambiente.
Preciso ir. -Repetiu, indo em direção a ela.
-Venha cá. -Aconchegou-a em um abraço forte, e então ela soube que ele também estava triste, pois suas lágrimas começaram a cair descontroladamente. O abraço ficou mais forte, seus soluços misturavam-se. Ele a olhou nos olhos e ficou demoradamente fixado em seu olhar que estava cheio de grossas lágrimas; vermelhos e inchados, os olhos de Mara denunciavam dias difíceis, era exatamente isso que tinha passado desde o acontecido. Ela desviou para que não demonstrasse a dor intensa misturada ao desespero que sentia, o que era facilmente exposto em seus olhos,  tudo que ela desejava era um pouco de dignidade naquele momento. No entanto, na fuga, seus olhos se encontraram mais uma vez, e, por uma fração de segundo ela vislumbrou tudo que poderia viver ao lado daquele homem que era a razão da sua vida há tantos anos; ainda olhando-se imóveis, Mara percebeu que ele estava prestes a fazer algo que mudaria tudo, porém, em nada influenciariam às decisões que haviam sido tomadas. 

01


*****


A tensão permanecia no ar, seus corações batiam na velocidade de cavalos que partem para a guerra coordenados por seus generais, os dois aos poucos foram se aproximando com olhos fixos, as respirações entrecortadas chegando a ficar ofegantes, cada vez mais próximos, fecharam os olhos e renderam-se em um beijo que abalou a ambos. Seus lábios tocavam-se com a suavidade de pétalas de rosas, ao passo que oscilavam com uma força que denotava uma paixão avassaladora. O mundo de ambos estacionou naquele respectivo instante. Fred acariciava os cabelos de Mara, ora delicadamente, ora com um ardor em suas mãos. Impossibilitada de pensar, Mara apenas conseguia sentir o momento, cada toque fazia-a perder os sentidos... Estava perdida.

Mara sentia-se emocionada, ao mesmo tempo que era tomada por uma sede de mais. Fred, que até então, havia se rendido ao momento que contrariava suas palavras anteriores, voltou a si, e, sutilmente, afastou seu rosto e olhou demoradamente para os lábios de Mara. Ainda entreabertos, os lábios dela denunciavam um desejo intenso de senti-lo outra vez. Fred em um impulso mordeu os lábios, fechou os olhos e novamente a tomou em seus braços e beijou-a com mais força. Mas, como em um frenesi, levantou-se subitamente e disse que precisava mesmo ir, parecendo não querer admitir os últimos fatos.
Saiu sem olhar para trás. Se tivesse olhado veria Mara com os olhos ardentes e desordenados, se tivesse virado, Mara teria visto seu ar perdido num misto de tristeza e dor que ele jamais poderia explicar. Era a primeira vez que se sentia assim. A porta foi fechada. Acabou. Ambos pensaram, e de fato, havia acabado. Porém, quem poderia dizer que o destino concordava com suas decisões?




02
  
****

O Sol já não era mais visto, as primeiras estrelas apareciam, Mara voltou a si e seus pensamentos voltaram ao ambiente atual. Quando ela olhou em volta  percebeu que já haviam mais pessoas no ônibus, que fizera sua última parada  vinte minutos atrás.  Olhando em volta mais uma vez chegou a notar alguns detalhes: uma senhora com um gato estava no banco da frente na fileira que ficava à sua direita. A mulher segurava um lenço e uma fotografia, Mara não conseguiu ver direito, mas acreditava que poderia ser um filho.
Alguns dormindo, outros segurando o celular, conectados, outros ouvindo música, supunha Mara pelo uso dos fones de ouvido, assim seguiam seus companheiros de viagem, tão presos às coisas que deixavam para trás que  nem notavam à presença de um coração ferido.  Ela lembrou-se que também tinha um celular, seu companheiro de tantas madrugadas, pegou-o e lembrou  da ansiedade que sentia ao pegá-lo tempos atrás. Mas agora sabia que não haveria uma mensagem ou uma ligação perdida dele.
Colocou os fones de ouvido e começou a procurar músicas que a acalmassem, constatou, porém, que tudo o que tinha nas pastas de mídia havia sido compartilhado por ele, Bluetooth, nas noites em que estiveram juntos; no frio da porta da casa dela,  no Ristorant -  local que costumavam frequentar-, ou ainda pelo WhatsApp nas longas madrugadas online.
Sempre havia sido assim, quando baixavam uma música nova, a primeira coisa que faziam era compartilhá-la. Músicas acompanhadas de um texto dizendo: “ lembrei de você quando ouvi”, ou “ essa é a sua cara” acompanhadas de uma carinha feliz.
Ela selecionou uma canção e começou a ouvir, ela falava sobre recomeço...
É, preciso ouvir agora. - pensou.

A viagem varou toda a madrugada, o ônibus havia parado mais uma vez em um posto de apoio por volta das vinte e uma horas , então Mara pôde tomar um banho, não comeu, comprou apenas uma garrafa de água e um remédio para enjoo. Não sentia fome há dias, aliás, não comia nada desde que saiu de sua cidade e isso já durava 24 horas. Após tomar o remédio dormiu um sono profundo. Acordou por volta das seis da manhã; foi despertada por um solavanco  - reflexo do impacto dos pneus do  ônibus com um buraco na pista esburacada de Minas Gerais, Estado que já  se anunciava por trás das altas serras verdes de diversos tons, misturados aos raios solares do amanhecer.


03

*****

A paisagem era deslumbrante, rios corriam e cachoeiras apontavam-se no decorrer do trajeto, Mara sonhara com essa visão havia muitos anos, na sua infância ficava contemplando os carros que passavam  em uma serra que se apresentava distante, e que ela contemplava no quintal de sua casa, entretanto, agora observava sem a emoção de quem havia esperado tanto tempo para ver. Pela sua cabeça passavam muitos pensamentos. Lembrou do amanhecer no sítio que foi criada, lembrou do Sol nascendo às cinco da manhã, da escuridão inicial e cores avermelhadas que vinham em seguida, lembrou das diversas vezes que tinha olhado para a serra que ficava ao longe; do desejo de explorar que sentia, da imensa vontade de viajar que sempre esteve com ela. Veio às suas narinas o cheiro do café de sua mãe, do grito que levava quando aprontava alguma coisa.  – Mara, venha tomar café! - Mara, o que você fez, sua menina levada! – Seus olhos marejaram quando pensou que ouvir a voz de sua mãe novamente. Sabia que não voltaria a vê-la tão cedo.  A saudade do seu abraço e a lembrança das muitas lágrimas de sua mãe, fez com que as suas, que estavam contidas naquelas primeiras horas do dia, rolassem descontroladamente.  Chorou. Chorou muito, sua vontade era soltar um grito, mas não poderia fazê-lo, saiu um leve sussurro em meio aos soluços, foi o máximo que pôde.
O transporte parou em um posto e as pessoas começaram a despertar lentamente. Lentamente também, Mara levantou-se e pegou sua bolsa saindo à procura de um banheiro.


*****