quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A partida

Capítulo I

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Era um entardecer, o crepúsculo cinzento de uma sexta-feira de setembro. As folhas das árvores estavam em um tom marrom - acobreado, caídas no chão, pareciam um tapete natural e temporário. O vento se encarregaria de dar cabo delas  no devido tempo.
Na janela de um ônibus, um olhar vago denotava melancolia e nostalgia. O transporte velho de cor amarelada e estrutura fragilizada chacoalhava conforme passava nos buracos da estrada de terra.  Alheia aos movimentos nada discretos, Mara continuava a olhar para o nada. Em um movimento suave do rosto passou a observar o céu e as suas cores, os tapetes de folhas estendidos por cada espaço visível no itinerário; à medida que observava os tons nebulosos do iminente anoitecer, deparou-se com o seu pensamento vagando nas cenas dos últimos acontecimentos. "Como foi ingênua. Como pôde comer tantos erros em sua vida? Como estava frágil. Por que não conseguia lutar, reagir e mudar tudo? " Culpa, tristeza, incapacidade, eram os sentimentos que norteavam sua mente naquele instante. Uma lágrima escorreu discreta, seguida de outra e outra, até que em dado momento,  já havia uma cachoeira em seu rosto. Mara lembrou-se  da sua última conversa antes de fechar a porta e deixar para trás tudo o que havia construído durante longos e exaustivos anos de trabalho.





Ele parecia triste também, mas era difícil dizer, afinal, suas palavras foram tão duras, firmes e irredutíveis que não se podia dizer que havia tristeza em seu interior.
- Você precisa não precisa ir embora. Isso é loucura! Fugir não vai mudar nada, isso vai acompanhar você. Eu juro que não sabia a proporção dos meus atos, jamais imaginei que você pudesse me amar tanto. - Falou Fred com voz  firme, mas entrecortada.
-Não fale... -Sussurrou Mara sem erguer o olhar.
-Fiquei tão deslocado, mas você sabe que eu não posso fazer nada. Lamento. – Completou   ele no mesmo tom.
Na sala com pouca luz, vários retratos de casal  sorriam a quem entrasse. As paredes brancas mostravam que há pouco tempo  tinham passado por uma reforma seguida de pintura. As plantas, tulipas laranjas sobre um aparador, pareciam não ter cor diante da escuridão que anunciava que uma noite sombria  se aproximava.
As lágrimas de Mara rolavam com muito mais intensidade ao ouvir tudo, as palavras doíam mais que uma agressão física, eram como facas ferindo seu peito, provocando feridas profundas e sangrentas; ela encobriu o rosto, recostada sobre um móvel da sala, sentia-se indefesa e só. Com as pernas entre os braços, parecia uma menina com medo do escuro.
- Tenho que ir embora. Se você ao menos falasse algo, Mara. 
Mas Mara permaneceu em silêncio profundo. Ouvia-se apenas o som da sua respiração entre soluços.
Fred dirigiu-se à porta com segurança, parou um instante,  olhou para Mara, de soslaio.
 Disse: -Eu preciso ir agora. Será que posso te abraçar?
 Um silêncio terrível tomou o ambiente.
Preciso ir. -Repetiu, indo em direção a ela.
-Venha cá. -Aconchegou-a em um abraço forte, e então ela soube que ele também estava triste, pois suas lágrimas começaram a cair descontroladamente. O abraço ficou mais forte, seus soluços misturavam-se. Ele a olhou nos olhos e ficou demoradamente fixado em seu olhar que estava cheio de grossas lágrimas; vermelhos e inchados, os olhos de Mara denunciavam dias difíceis, era exatamente isso que tinha passado desde o acontecido. Ela desviou para que não demonstrasse a dor intensa misturada ao desespero que sentia, o que era facilmente exposto em seus olhos,  tudo que ela desejava era um pouco de dignidade naquele momento. No entanto, na fuga, seus olhos se encontraram mais uma vez, e, por uma fração de segundo ela vislumbrou tudo que poderia viver ao lado daquele homem que era a razão da sua vida há tantos anos; ainda olhando-se imóveis, Mara percebeu que ele estava prestes a fazer algo que mudaria tudo, porém, em nada influenciariam às decisões que haviam sido tomadas. 

01


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A tensão permanecia no ar, seus corações batiam na velocidade de cavalos que partem para a guerra coordenados por seus generais, os dois aos poucos foram se aproximando com olhos fixos, as respirações entrecortadas chegando a ficar ofegantes, cada vez mais próximos, fecharam os olhos e renderam-se em um beijo que abalou a ambos. Seus lábios tocavam-se com a suavidade de pétalas de rosas, ao passo que oscilavam com uma força que denotava uma paixão avassaladora. O mundo de ambos estacionou naquele respectivo instante. Fred acariciava os cabelos de Mara, ora delicadamente, ora com um ardor em suas mãos. Impossibilitada de pensar, Mara apenas conseguia sentir o momento, cada toque fazia-a perder os sentidos... Estava perdida.

Mara sentia-se emocionada, ao mesmo tempo que era tomada por uma sede de mais. Fred, que até então, havia se rendido ao momento que contrariava suas palavras anteriores, voltou a si, e, sutilmente, afastou seu rosto e olhou demoradamente para os lábios de Mara. Ainda entreabertos, os lábios dela denunciavam um desejo intenso de senti-lo outra vez. Fred em um impulso mordeu os lábios, fechou os olhos e novamente a tomou em seus braços e beijou-a com mais força. Mas, como em um frenesi, levantou-se subitamente e disse que precisava mesmo ir, parecendo não querer admitir os últimos fatos.
Saiu sem olhar para trás. Se tivesse olhado veria Mara com os olhos ardentes e desordenados, se tivesse virado, Mara teria visto seu ar perdido num misto de tristeza e dor que ele jamais poderia explicar. Era a primeira vez que se sentia assim. A porta foi fechada. Acabou. Ambos pensaram, e de fato, havia acabado. Porém, quem poderia dizer que o destino concordava com suas decisões?




02
  
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O Sol já não era mais visto, as primeiras estrelas apareciam, Mara voltou a si e seus pensamentos voltaram ao ambiente atual. Quando ela olhou em volta  percebeu que já haviam mais pessoas no ônibus, que fizera sua última parada  vinte minutos atrás.  Olhando em volta mais uma vez chegou a notar alguns detalhes: uma senhora com um gato estava no banco da frente na fileira que ficava à sua direita. A mulher segurava um lenço e uma fotografia, Mara não conseguiu ver direito, mas acreditava que poderia ser um filho.
Alguns dormindo, outros segurando o celular, conectados, outros ouvindo música, supunha Mara pelo uso dos fones de ouvido, assim seguiam seus companheiros de viagem, tão presos às coisas que deixavam para trás que  nem notavam à presença de um coração ferido.  Ela lembrou-se que também tinha um celular, seu companheiro de tantas madrugadas, pegou-o e lembrou  da ansiedade que sentia ao pegá-lo tempos atrás. Mas agora sabia que não haveria uma mensagem ou uma ligação perdida dele.
Colocou os fones de ouvido e começou a procurar músicas que a acalmassem, constatou, porém, que tudo o que tinha nas pastas de mídia havia sido compartilhado por ele, Bluetooth, nas noites em que estiveram juntos; no frio da porta da casa dela,  no Ristorant -  local que costumavam frequentar-, ou ainda pelo WhatsApp nas longas madrugadas online.
Sempre havia sido assim, quando baixavam uma música nova, a primeira coisa que faziam era compartilhá-la. Músicas acompanhadas de um texto dizendo: “ lembrei de você quando ouvi”, ou “ essa é a sua cara” acompanhadas de uma carinha feliz.
Ela selecionou uma canção e começou a ouvir, ela falava sobre recomeço...
É, preciso ouvir agora. - pensou.

A viagem varou toda a madrugada, o ônibus havia parado mais uma vez em um posto de apoio por volta das vinte e uma horas , então Mara pôde tomar um banho, não comeu, comprou apenas uma garrafa de água e um remédio para enjoo. Não sentia fome há dias, aliás, não comia nada desde que saiu de sua cidade e isso já durava 24 horas. Após tomar o remédio dormiu um sono profundo. Acordou por volta das seis da manhã; foi despertada por um solavanco  - reflexo do impacto dos pneus do  ônibus com um buraco na pista esburacada de Minas Gerais, Estado que já  se anunciava por trás das altas serras verdes de diversos tons, misturados aos raios solares do amanhecer.


03

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A paisagem era deslumbrante, rios corriam e cachoeiras apontavam-se no decorrer do trajeto, Mara sonhara com essa visão havia muitos anos, na sua infância ficava contemplando os carros que passavam  em uma serra que se apresentava distante, e que ela contemplava no quintal de sua casa, entretanto, agora observava sem a emoção de quem havia esperado tanto tempo para ver. Pela sua cabeça passavam muitos pensamentos. Lembrou do amanhecer no sítio que foi criada, lembrou do Sol nascendo às cinco da manhã, da escuridão inicial e cores avermelhadas que vinham em seguida, lembrou das diversas vezes que tinha olhado para a serra que ficava ao longe; do desejo de explorar que sentia, da imensa vontade de viajar que sempre esteve com ela. Veio às suas narinas o cheiro do café de sua mãe, do grito que levava quando aprontava alguma coisa.  – Mara, venha tomar café! - Mara, o que você fez, sua menina levada! – Seus olhos marejaram quando pensou que ouvir a voz de sua mãe novamente. Sabia que não voltaria a vê-la tão cedo.  A saudade do seu abraço e a lembrança das muitas lágrimas de sua mãe, fez com que as suas, que estavam contidas naquelas primeiras horas do dia, rolassem descontroladamente.  Chorou. Chorou muito, sua vontade era soltar um grito, mas não poderia fazê-lo, saiu um leve sussurro em meio aos soluços, foi o máximo que pôde.
O transporte parou em um posto e as pessoas começaram a despertar lentamente. Lentamente também, Mara levantou-se e pegou sua bolsa saindo à procura de um banheiro.


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Prólogo





Mara é uma garçonete, estudante de Jornalismo, que saiu de casa aos 17 anos para tentar a vida na cidade grande, onde enfrentou muitas dificuldades para atingir seus objetivos: vencer na vida e trabalhar em um jornal, viajar ao redor do  mundo. Fred, interessado na prima de Mara, aproxima-se dela para pedir sua ajuda. Mara o ajuda, porém  não dá muito certo, e uma paixão tórrida e avassaladora envolve os dois. Mas um acontecimento mudaria suas vidas.  A romance oscila entre presente e passado com flashbacks.  Como termina essa história? Confira...

Do que você seria capaz por amor? É uma pergunta difícil de responder?
Quando o amor bate à sua porta e você se entrega completamente, o que faria para mantê-lo?
E se o destino reservasse segredos que colocassem na berlinda tudo o que você planejou?
Perguntas em excesso, respostas complicadas.

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Aos 17 anos Mara tomou uma importante decisão que muito modificaria a sua existência.  Morando em uma fazenda desde o seu nascimento, a garota de pele morena, olhos negros , e cabelos encaracolados sonhava com uma vida que só conhecia nos livros e na TV. Mara almejava conhecer o mundo, viajar, sonhava morar sozinha, mas seu maior desejo era ser jornalista. Adorava assistir aos telejornais e escrever artigos. Vivia investigando fatos simples que aconteciam na fazenda e formulava uma matéria para cada fato interessante, no entanto, seus escritos nunca foram revelados a ninguém.  Sua mãe sabia dos sonhos da filha e temia perdê-la, pois sabia que ela iria lutar para alcança-los.

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Uma certa manhã, do mês de Março, a rádio local informava sobre um teste para o programa de jornalismo da emissora. Mara ouviu e ficou enlouquecida, saiu correndo para contar à sua mãe.
-Seu pai não permitirá.
- Mamãe, me ajude, a senhora sabe o quanto eu sonho com isso!
- Vou ver o que faço.
A mãe de Mara convenceu o marido e ele permitiu sua saída  para o teste, porém ele era um homem grosso e muito rude, humilhou a jovem antes do teste dizendo que desistisse, afinal ela não era capaz de fazer nada. Depois de muitas lágrimas a garota foi à emissora acompanhada de sua mãe.
Lá, realizou o teste e dias depois foi chamada. Tirou a nota máxima e seria a próxima integrar o grupo de jornalistas da Rádio Norte fm.
Todos os dias, precisava dirigir-se à cidade e seu pai já estava irritado em vê-la sair diariamente. Ele era tradicional e ciumento, não gostaria de ver nenhum marmanjo observando sua filha mais nova.

Ao chegar em casa, Mara era recebida com palavras duras de seu pai. Não suportando mais a os maus-tratos, a jovem que estava a poucos meses de completar 18 anos, decidiu sair de casa.
Contou seus planos para sua mãe, que muito abalada, chorou e assegurou que seu pai jamais permitiria; mas a garota não desistiu e disse que o enfrentaria.  De fato, ela o enfrentou, e cinco meses após começar seu trabalho na Rádio Norte, ela alugou um quarto em uma pensão da cidade.  Mas a vida não era nada fácil, acostumada à companhia dos irmãos Carlos e Marília, suas noites vinham com choros frequentes.

O salário da rádio não estava sendo suficiente para pagar o quarto e manter-se dignamente, Mara não queria voltar para casa, e também não comentava suas dificuldades com sua mãe quando se falavam.  Decidiu então procurar emprego e,  o único lugar que pagaria um salário que seria suficiente para se manter  era o Restaurante Portal.

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Sinopse



Mara é uma garçonete, estudante de Jornalismo,  que saiu de casa aos 17 anos para tentar a vida na cidade grande, onde enfrentou muitas dificuldades para  tentar atingir seus objetivos:  ser independente,  trabalhar em um jornal, viajar ao redor do  mundo. Lá ela conhece  Fred, um gerente da livraria "Cultural"  que  interessado na prima de Mara, aproxima-se dela para pedir sua ajuda. Mara o ajuda, porém  não dá muito certo, e uma amizade sem suspeitas, acaba se transformando em um grande amor. entretanto,  um acontecimento mudaria suas vidas para sempre.   O romance oscila entre presente e passado com flashbacks.  Como termina essa história?

Confira...
Oi, pessoal, a partir de hoje inicio o meu folhetim.   Pois é, achou estranho? 

No passado, logo que a Literatura passou a ser disseminada, as histórias eram publicadas nos jornais, em folhetins diários ou semanais. 
Sempre achei a Literatura fascinante e a maneira como ela difundiu-se, me  fascina ainda mais.

Escreverei diariamente, ou conforme for possível. E qual será o conteúdo? 

Trata-se de uma tórrida história de amor, daquelas que fazem chorar, que mexem com a sua imaginação e fazem repensar ações. 

Vale  a pena conferir! 


Ah, detalhe: ainda não tem um título vocês poderão sugerir para mim. Okay?! 


Conto com vocês! 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Não quero dinheiro, eu só quero um livro."

Há um ano escrevi isso!

Decidi compartilhar com vocês. Foi uma das experiências mais incríveis da minha vida!

Esta semana em Garanhuns


Aqueles dias em que você sai à rua, não sabe bem com qual intuito, mas sai. Anda um pouco, olha vitrines, observa à água caindo na fonte da praça central; ainda ouve buzinas dos carros encara o semáforo com certa inquietude.   Percebe toda à correria de uma cidade, pessoas indo e vindo, semblantes preocupados. Do nada você olha pra alguém, e em poucos minutos, se pega pensado sobre o que ele teria comido no almoço, ou por que se veste daquele jeito, enfim, sua mente dá voltas e voltas; então você nota que está lendo romances demasiadamente.
 Hoje, pelas ruas da cidade, me peguei fazendo observações inusitadas, analisei perfis de pessoas na multidão, andei, pensando em cada detalhe da rua, percebi cores nas ruas, nos ônibus, nos cabelos das pessoas, e, isso me pareceu estranho. Resolvi dar uma passadinha em uma loja, só pra olhar os livros e, quem sabe, levar um novo exemplar; eu só não contava com a situação inacreditável que me ocorreria.
Enquanto olhava os títulos no suporte, vi um ser magro e de cor parda tocando  meu braço com certa urgência. Eu parei o que fazia e olhei para ela, era uma menina bonita, cabelos castanhos presos, usava um conjunto azul, uma sapatilha rosa, tinhas unhas sujas, escuras, um ar tão inocente que chegava a doer. Disse-me: - moça, moça, por favor, você compra um livro pra mim?

Fiquei imóvel, pensei não ter ouvido o pedido daquele anjo, até por que a mesma tinha uma falha na dicção. Então a indaguei: -Um livro, foi isso o que pediu? - Sim. -Respondeu ela convicta em seu pedido.

Ainda estática, me veio à mente: " ela poderia ter pedido dinheiro, uma boneca, um chocolate, ou qualquer outra coisas, porém, ela pediu um livro. Ela não devia ter mais que oito anos. Olhei-a com ternura e pedi que aguardasse um pouco, enquanto eu providenciava seu livro. Minuciosamente procurei algo atrativo para uma criança, encontrei, então um de histórias em quadrinhos. Dirigi-me ao caixa, ela me seguia com os olhinhos ansiosos. Esperei alguns minutos na fila do caixa, nesse meio tempo, pude ouvir sua mãe aos gritos: - Maria Eduarda, venha logo! Vamos perder o ônibus.

Não pude ver seu rosto, apenas, ouvi a pequena gritar: - Mamãe, já vou! A moça tá comprando um livro pra mim!! A mãe ignorou à resposta da criança e continuou chamando-a. Ao meu lado, a pequena Maria Eduarda, tinha olhos grandes que observavam cada detalhe, peguei um chocolate sem que ela percebesse, e adicionei à compra. Ao terminar o atendimento, entreguei-lhe o pacote. Com um sorriso comprido e com algumas janelinhas, ela me agradeceu. Pude ver o rosto de sua mãe quando a vi sair correndo em direção ao ponto de ônibus. A mãe me olhou e agradeceu. Parecia feliz com o pequeno mimo.  Saí de lá emocionada. Tantas crianças passando fome, frio, com necessidades tão imediatas, realidades tão duras; elas querem alimento ou quem sabe um teto. Mas a pequena Maria Eduarda poderia ter muitas necessidades, entretanto, seu maior desejo era apenas um livro.  Como seria o Brasil se todas as crianças só precisassem de um livro, quisessem apenas um livro, pedissem apenas um livro?




Como me apaixonei pela leitura



Era uma manhã, não recordo o dia da semana, eu havia assistido um desenho animado e por passar muito tempo na frente da TV, minha mãe ficou brava comigo por não ajudá-la nos afazeres domésticos e deu-me uma bronca daquelas.

Eu precisava fazer algo, mas não tinha coragem para nada e também não queria parar de ver os desenhos; logo, me passou pela cabeça a seguinte ideia: Vou limpar à estante, pois assim posso ver TV e trabalhar ao mesmo tempo.

Comecei retirando alguns itens para espanar o pó, fui retirando, retirando, até que abri uma das portas, e lá estava uma quantidade significativa de livros. Como meus irmãos estudavam boa parte era deles.
Eu, no auge dos meus dez anos, cursando à quinta série, limitava-me a responder os exercícios e fazer os trabalhos solicitados pelos professores. Era uma boa garota, mas a leitura ainda não havia sorrido para mim.

Após eliminar o pó, dediquei-me a limpar os objetos que decoravam à estante e os que ficavam dentro dela.
Foi naquele exato momento que deparei- me com algo inesperado e que me fez voltar no tempo, longos  meses antes.

Enquanto aguardávamos  a chegada do caminhão  pau de arara que nos levaria ao colégio na cidade, pois morávamos na zona rural do município de Caetés; eu e meus irmãos avistamos uma figura simpática, de cabelos tingidos de preto, mas com as sobras brancas, um rosto amigável, com um enorme bigode (também tingido) e um guarda- chuva tão grande que eu o apelidei  de antena parabólica. Aproximou- se  de nós, em especial de mim,  com um sorriso nos lábios, era o meu ex-professor.  

Ele tinha substituído à minha professora na quarta série e para ser bem sincera, eu adorei, porque com ele cantávamos o Hino Nacional todos dias e com ele aprendi a fazer operações com divisão,  coisa que parecia impossível, pois  passei toda a terceira série tentando e não consegui. Mas com ele tudo parecia tão fácil, eu amava Matemática (anos depois descobri que fora paixão o meu sentimento da época, pois até o Ensino Médio, Matemática foi a pior disciplina, eu só tirava nota sete, ou no máximo, oito).  Ele me incentivava a fazer tudo e sempre repetia uma frase:  “ QUERO VER VOCÊ NA FACULDADE”.  Eu ficava tão feliz.

Quando chegou perto de nós naquele entardecer, estudávamos à noite, ele dirigiu-se a mim com uma alegria diferente, falou que tinha algo para mim e logo foi mostrando. Eram três livros que ele havia separado, chegara à escola através de um  projeto chamado   “Literatura em minha casa”, trouxe um livro de contos, um de poemas, e  outro, mais espesso, era um romance.  Eu fiquei muito feliz e agradecida, os recebi e guardei junto ao material. Pegamos o caminhão e fomos à cidade.
Ao retornar, à noite, guardei aquele presente na estante e não abri. Não tinha interesse em livros, nunca tinha pensado a respeito deles, ninguém tinha dito para mim que valia a pena ler, que existiam mundos que precisavam ser descobertos por mim.




Naquela manhã, vi aqueles livros e veio à minha mente um flashback, tudo que vivenciei na sala de aula com o meu professor, o dia da entrega dos presentes, enfim, recordações que me fizeram sentir saudades do tempo com ele. 
Dentre os três, um de capa vermelha com título instigante e convidativo me chamou atenção.  Estava escrito em letras chamativas “OS MISERÁVEIS”. Examinei-o cuidadosamente, e pensei: “que título estranho”,  “Do que estará falando?”
Ao abri-lo eu me perdi... Li uma página, duas, três, quatro e crescia uma vontade de ler mais e mais. Então percebi que levaria mais broncas, por isso decidi guardá-lo para ler mais tarde. Foi o que fiz. Continuei meus afazeres, e  mais tarde mergulhei no universo de Jean Valjean ( ha ha ha ) nunca mais parei de ler.
Hoje, meu maior desejo é encontrar aquele professor magnífico, aquele que lembrou de mim,  mesmo não sendo mais sua aluna.
Ele me presenteou e mudou minha vida, eu só queria agradecer e dizer que a primeira pessoa de quem lembrei quando meu nome saiu no listão da faculdade foi o dele. E sua frase nunca me saiu da cabeça.
O gesto daquele professor apaixonante, um senhor de idade avançada e coração de criança,  me fez ser a profissional que sou hoje. Incentivo os meus alunos e lembro  de como ele me incentivava. Faço questão de usar com os meus alunos a mesma frase que ele usava comigo “QUERO VER VOCÊ NA FACULDADE”, quando a utilizo, fecho os olhos e vejo o sorriso do meu professor pronunciando-a para mim. Um sorriso me vem aos lábios e eu percebo que estou no caminho certo.

Comenta aí! Como você se apaixonou pela leitura? Alguém lhe motivou?